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Repetição, Percepção e Escolha.

  • Foto do escritor: psicologabmscardel
    psicologabmscardel
  • 8 de nov. de 2024
  • 3 min de leitura

 

“Nas árvores silvestres são bem cheirosas as flores, nas domésticas, os frutos.”

Kierkegaard, sob o pseudônimo de Constantin Constantius*.


Constantin lança essa frase como epígrafe em seu livro intitulado “A Repetição: um


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ensaio em psicologia experimental”. E o que ele trás com essa frase é um convite para falar sobre repetição (já percebeu relações se repetindo em sua vida?). Ora, dos ciclos e mais ciclos das árvores silvestres elas adquiriram esse “conhecimento”, para além da razão, de serem mais cheirosas as flores. Sem razão, sem explicação lógica para elas, as árvores, isso simplesmente vai continuar acontecendo. O mesmo para o cheiro dos frutos das árvores domésticas. Passamos a falar sobre como isso acontece para os seres humanos?


Os ensinamentos para nossa espécie também vão de ciclo em ciclo, de geração para geração. Embora vivamos com, como diria Gilberto Safra, uma Hipertrofia da Razão, característica de nossos tempos e especialmente estimulada pelas tecnologias, existem coisas que não fogem do corpo. Nós aprendemos muitas coisas na vida sem nos darmos conta através do corpo e de gestos que vão além da razão. Embora muitos de nós tentemos com afinco buscar explicações racionais para tudo, tudo não se alcança. Quer um exemplo?


A frase sobre o cheiro das árvores nos convida a buscar uma explicação para a razão das diferenças entres as árvores silvestres e as de cultivo. Eu aqui em minha caminhada matinal, concluí que parte da diferença se deve à falta de necessidade de as árvores domésticas utilizarem com esmero seu órgão reprodutor (as flores) enquanto que as silvestres não prolongariam muito a vida da espécie sem eles. Uma razão simples baseada em uma lógica biológica por uma leiga nessa ciência, então, por favor, não leve tanto em consideração. Escrevi esse exemplo para mostrar que a razão pode encontrar partes (importantes) das coisas que acontecem, mas não tudo.


Existe muita sabedoria nos gestos, na intuição e o que nos é passado de geração em geração, mesmo que não nos demos conta (mentalmente/ racionalmente) de tudo. A repetição ela vai acontecendo em nossas vidas nesse sentido. A gente carrega, sem perceber, a história da nossa família, da nossa cultura, de nossos antepassados. Alguns ensinamentos nos fazem viver com facilidade diversas questões da existência, mas sempre existe aquilo que as gerações anteriores e nós não soubemos lidar com tanta fluidez.


A repetição nos trás conforto, segurança, estabilidade. Ela se apresenta naturalmente em nosso cotidiano desde que nascemos e ela é fundamental para nossa sanidade. Contudo, existem momentos em que ela começa a nos incomodar. Acontece quando a gente tem a sensação de estar desencaixado ou discordar das coisas como estão acontecendo. Essa sensação vai além da razão, as vezes a gente nem consegue explicar porque ela está acontecendo. É uma sabedoria do nosso corpo. Essa sensação acontece porque somos livres (é uma condição da nossa existência como seres humanos). Essa liberdade nos permite escolher e escolher às vezes pode provocar angustia.


Já reparou que quando estamos em um momento de nossas vidas em que tem algo muito difícil de ser feito, a gente quer alguém pra salvar a gente, alguém pra dar colo? A gente quer essa repetição. Não é só a criança que precisa de colo, ajuda, cuidado...crescemos e continuamos precisando, mas achamos muitas vezes que podemos dar conta de tudo sozinhos (porque essa também é uma característica de nossos tempos que vai contra o modo como viviam gerações anteriores em um sentido de comunidade).


E é ambíguo porque as vezes a gente quer permanecer e ao mesmo tempo romper com esse ciclo repetitivo porque ele nos provoca dor. E aí vem mais uma vez a escolha. Não é que a escolha vá modificar e transformar todo o ambiente ao seu entorno, mas muda sua percepção e atitude diante de algo que te machuca, incomoda, angustia.


A liberdade é maravilhosa porque aí, nesse momento, podemos provar novas possibilidades. Ao mesmo tempo ela pode incomodar, porque vamos sair do conforto que trás a repetição. É o famoso “sair da zona de conforto que está desconfortável” e é ambíguo mesmo.


Pode ser bem interessante dar-se conta destas sensações que nos tiram do dia-a-dia, que nos provocam estranheza ou algum incomodo. Nem sempre é fácil ficar na zona de conforto e nem sempre é fácil sair dela. E... nem sempre racionalizar é suficiente.


*Citação retirada do livro “Angústia e Repetição: da Filosofia à Psicologia” Editora IFEN – Capítulo Angústia e Repetição na psicologia Clínica de Myriam Moreira Protásio - pg.167.

 
 

Psicóloga  Bruna de Melo Scardelato - CRP: 06/192175

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