A Ambiguidade do Eterno – entre contemplar ou ser atravessado por ele.
- psicologabmscardel
- 25 de set. de 2024
- 2 min de leitura

“Introduzir, no tempo de cada dia, o máximo de eternidade.” Guimarães Rosa
Eu gosto muito dessa frase que acaba de ser citada do Guimarães Rosa. Acho bonito incluir a eternidade no dia a dia. Na minha percepção (e essa é a graça da literatura, as visões são peculiares à história de cada um que lê), a “eternidade” aqui simboliza a saída do automatismo, daquela rotina que vamos vivendo sem nos darmos conta ou apreciarmos os momentos. Hoje é muito comum, por exemplo, comer ouvindo podcasts ou assistindo alguma série, ou resolvendo coisas do trabalho e com o celular na mão, e isso se justifica à correria do nosso dia-a-dia. Às vezes pode ser difícil contemplar o que se faz. Então, imagina “introduzir, no tempo de cada dia, o máximo de eternidade”. Para mim essa frase como um todo seria um sinônimo de viver. Parar, vez ou outra, para notar suas ações, não-ações, pensamentos, relações com o mundo, com os outros, etc.
Essa possibilidade de encontrar-se com a presença da “eternidade” é possível quando estamos em um estado de pertencimento bem delimitado de tempo e espaço. Me explico. A “eternidade”, o estado contemplativo ou de pertencimento, é possível para quem (ou quando) sabe que existe cada dia, cada hora e cada minuto e que cada momento, assim estruturado, possuem início e fim. Da mesma forma que sabemos e reconhecemos o espaço que ocupamos no mundo. É bem básico, né? Isso acontece, geralmente, sem que a gente se dê conta.
Mas existe outra forma de se encontrar com a “eternidade” que acontece justamente quando rompemos com a noção de tempo e espaço. Esse momento pode se apresentar como alegria, medo, tristeza, angústia, etc., e ele parece eterno, como se não fosse ter fim. Vivemos com tamanha intensidade que perdemos a noção do tempo e do espaço, é insuportável porque parece que não terá fim. Embora a gente saiba (e aqui excluo estados de loucura), que não existe a possibilidade de que esse momento seja eterno, a gente sente como se fosse. E como lidar com o insuportável?
A graça da vida, e da psicoterapia, está justamente em não existir um manual, porém, em termos gerais, se aquele momento/sentimento nos tira a referência do tempo e do espaço, o que precisamos é justamente dessa referência. Existem métodos, técnicas para isso mas se formos pensar para além da psicoterapia, o que a gente precisa, o que o ser humano precisa, é do outro. É a presença de outra pessoa (será que só de pessoas?), um toque, uma fala, que pode ajudar a pessoa notar que aquela percepção do eterno na verdade é irreal. Apenas para trazer um pouco de clareza, trago o exemplo dessa sensação quando perdemos um ente muito querido.
A eternidade é ambígua, né? E das duas maneiras que a relatei aqui, é interessante que podemos aprender com ela. Seja contemplando e percebendo em nós como os momentos nos tocam no nosso cotidiano, ou através da dor e do sofrimento quando a eternidade nos atravessa sem pedir licença, porque a dor também ensina, também pode nos abrir para possibilidades criativas de lidar com essa ou aquela situação.